À primeira hora contemplar com a palma o magma frio, indagar da sua precedente erupção e do desenho peculiar que o seu arrefecimento aflora. Perceber da pedra o seu ciclo. Caminhar.
À hora segunda ir-lhe à gema com o próprio verbo, adivinhando que os caminhos que a palavra indica só o peso pedestre pode percorrer. Avançar na direcção do interior concreto e simples das coisas.
À terceira hora, a mais luzidia, ser cúmplice do tempo mineral e, como ele, e contra ele, e a favor dele, irromper de uma só vez na erosão e no sedimento. Ser mina adentro, fenda afora, escavação, tentando por todos os lados da coisa encontrar delas um rosto ao barlavento.
Às quarta e quinta horas estar já entre o modo não vegetal da flora: entre carvão, grafite, granito, entre o godo redondo e o agreste, entre a camada mais densa e a areada. Confundir o escrito com o escrevente, o suporte com o suportado, deixar-se aí ficar em estado Fuligem. Ser como sempre foi.
À hora sexta achar-se de novo na calma superfície das coisas, na sua derme concreta e às vezes cerâmica, conseguir encontrar pouco a pouco nelas o testemunho que conserve o tempo inteiro de haver sido lava . Talhar finalmente a invenção de um jogo cru, que deixe ver o segmento de eternidade que ser fuligem e quase esfera rolando oferece.
À sétima hora recordar tudo de novo, e achar tudo novo ao recordar: que a arte geológica de re-olhar os recortes no maciço do terreno é essa mesma de entender que também o ver sofre abalos tectónicos, e que das suas fendas hospitala o calor do que já foi, do que ainda não é, do que há-de ser pedra, o que de momento é fogo e alimenta-se de ar, e com ele vai esfriando lentamente. O novo é também o imutável desenho das montanhas re-escrevendo-se sem cessar desde dentro, e olhá-lo é ser parte de erodi-lo.
À hora oitava, a para já última, recomeçar, que é ordem antiga, princípio da escola completa de ser radicalmente outro cada vez que se regressa da fundura. Que o ofício do poeta e do artista é tantas vezes o do mineiro. A luz sobre a cabeça, no escuro, na entranha, a luz como olho de Ciclope. E na direcção do olhar, o pedaço exacto do mundo a ser revelado. E o trabalho da mão agarrando-o, tantas vezes, sobre a mesa. Dormir depois sem descansar, deitar mão a tudo que possa explicar a lentidão calada das coisas pousadas ou aventando à nossa volta : o lápis, a pedra, a uva, a esfera, o giz, a folha, o eixo, a sombra, a relva, a pele, o sal.
Sonhar um sonho simples, cru, concreto e justo, limpo, sorrindo, e acordar húmus para medrar, de mão estendida, dando campo às invasões dos bandos, dando tempo ao tempo, sabendo, desde o princípio, que o primeiro milho é dos pardais.
Retomar as horas todas.
Reordenar o tempo em porções terrenas.
À primeira hora contemplar com a palma o magma frio, indagar da sua precedente erupção e do desenho peculiar que o seu arrefecimento aflora. Perceber da pedra o seu ciclo. Caminhar.
À hora segunda ir-lhe à gema com o próprio verbo, adivinhando que os caminhos que a palavra indica só o peso pedestre pode percorrer. Avançar na direcção do interior concreto e simples das coisas.
À terceira hora, a mais luzidia, ser cúmplice do tempo mineral e, como ele, e contra ele, e a favor dele, irromper de uma só vez na erosão e no sedimento. Ser mina adentro, fenda afora, escavação, tentando por todos os lados da coisa encontrar delas um rosto ao barlavento.
Às quarta e quinta horas estar já entre o modo não vegetal da flora: entre carvão, grafite, granito, entre o godo redondo e o agreste, entre a camada mais densa e a areada. Confundir o escrito com o escrevente, o suporte com o suportado, deixar-se aí ficar em estado Fuligem. Ser como sempre foi.
À hora sexta achar-se de novo na calma superfície das coisas, na sua derme concreta e às vezes cerâmica, conseguir encontrar pouco a pouco nelas o testemunho que conserve o tempo inteiro de haver sido lava . Talhar finalmente a invenção de um jogo cru, que deixe ver o segmento de eternidade que ser fuligem e quase esfera rolando oferece.
À sétima hora recordar tudo de novo, e achar tudo novo ao recordar: que a arte geológica de re-olhar os recortes no maciço do terreno é essa mesma de entender que também o ver sofre abalos tectónicos, e que das suas fendas hospitala o calor do que já foi, do que ainda não é, do que há-de ser pedra, o que de momento é fogo e alimenta-se de ar, e com ele vai esfriando lentamente. O novo é também o imutável desenho das montanhas re-escrevendo-se sem cessar desde dentro, e olhá-lo é ser parte de erodi-lo.
À hora oitava, a para já última, recomeçar, que é ordem antiga, princípio da escola completa de ser radicalmente outro cada vez que se regressa da fundura. Que o ofício do poeta e do artista é tantas vezes o do mineiro. A luz sobre a cabeça, no escuro, na entranha, a luz como olho de Ciclope. E na direcção do olhar, o pedaço exacto do mundo a ser revelado. E o trabalho da mão agarrando-o, tantas vezes, sobre a mesa. Dormir depois sem descansar, deitar mão a tudo que possa explicar a lentidão calada das coisas pousadas ou aventando à nossa volta : o lápis, a pedra, a uva, a esfera, o giz, a folha, o eixo, a sombra, a relva, a pele, o sal.
Sonhar um sonho simples, cru, concreto e justo, limpo, sorrindo, e acordar húmus para medrar, de mão estendida, dando campo às invasões dos bandos, dando tempo ao tempo, sabendo, desde o princípio, que o primeiro milho é dos pardais.
Retomar as horas todas.
Reordenar o tempo em porções terrenas.