Dalila Gonçalves desenvolve uma pesquisa em torno da expressão que o tempo adquire. Uma pesquisa sobre os momentos que se encontram e mensuram no decorrer de uma acção, mas também uma pesquisa sobre o período em que se cria um hiato, uma ausência ou um instante de pausa.
O seu olhar remete-nos igualmente para a ideia de natureza. Não apenas a natureza enquanto lugar (real ou fictício) mas também a natureza enquanto origem, raiz ou princípio. Ou seja, aquilo que se entende como início e modelo original de qualquer corpo ou substância.
No seu fazer há uma justa relação entre o tempo e a matéria que, mediada pela percepção, se reporta à leitura das imagens e à condição dos objectos.
Dir-se-ia que esse diálogo, entre tempo e matéria, é reconhecível na ideia de acumulação. Acumulação inerente à passagem repetida ou à transformação das coisas, associada ao uso e ao consequente desgaste do material, mas também inerente ao acto de compilar, mensurar, arquivar e indexar, fixando um instante onde se reorganiza o sentido do objecto.
A obra Pontos de fuga / Vanishing points (2016), que atesta essa leitura, apresenta uma série de moedas alteradas pelo seu manuseamento constante. A sua expressão advém da representação sumida, ou da substituição da imagem por algo em transformação. Assim, o busto, a estátua ou o monumento que nelas figura, esmorece e dá lugar a uma ideia de processo. Mas a sua leitura resulta também do coligir das partes num novo todo. E as moedas que antes se associavam a um valor financeiro, dispõem-se agora, num tempo retido, com um outro sentido. Um sentido poético que se apoia na direção do nosso olhar e do olhar das imagens que nelas ainda perduram.
No trabalho de Dalila Gonçalves acusa-se uma passagem e cria-se uma suspensão, e entre o que se determina e o que é indeterminado, turva-se a certeza do nosso olhar. Mas, na verdade, a visão que lhe preside é clara e abrangente, pois é simultaneamente analítica (aquela que o nomeia e reconhece) e contemplativa (aquela que se encanta na sua expressão). Há, então, algo que existe entre a fixação pragmática da natureza dos elementos (onde, mesmo que reordenados, um lápis é um lápis, uma serra é uma serra ou uma moeda é uma moeda) e a manifestação encantatória da sua imagem (onde, pela agregação, somos sempre remetidos para lá da evidência). E é nessa condição, nesse delicado equilíbrio entre o reter e o largar que o tempo, activado pela nossa percepção, questiona a natureza da matéria.
A subtileza deste registo prende-se com o facto de isso não surgir de forma imposta ou forçada, sendo algo que advém da sua normal utilização ou do entendimento da sua própria natureza. Assim a intervenção não é algo que acontece sobre o material, obrigando-o a uma outra realidade, mas algo intrínseco, que acontece nomeando-o pelo uso e reorganizando-o pela repetição. Isto é, uma lógica onde a natureza do objecto permanece a mesma, mas a expressão que ele adquire é, a partir dele próprio, mudada pelo tempo que o modela, inscreve ou tinge, e pelo olhar que o seleciona, destaca e reinventa.
Curiosamente, o mesmo se passa quando o objecto se abstém de um corpo físico. Neste caso, o tempo não se afirma no desenho e na forma de um registo material, mas antes no reconhecimento de um hábito ou de uma operação que se associa ao objecto. É, assim, pelo movimento ou pela memória do uso que o tempo se assume e a presença se designa.
Em obras como Borda/Edge (2014), que se constrói de ausências, sombras e movimento, é esta a questão que permanece. Aqui, é a sombra do braço de um globo terrestre que se desloca no espaço. E não existindo o corpo desse globo, é o utensílio ou o suporte que o sustenta que, ao rodar, invoca o seu uso e alude à sua presença (o girar do globo). No entanto, mais uma vez, é aquilo que gradua, mede e organiza que, eleito pela autora, preside à reconfiguração do objecto. E a sua imagem é, novamente, aquilo que se desloca ou está em transição.
Citando livremente Ernst Junger (Das Sanduhrbuch, 1954), “(...)o relógio não pertence ao bosque” e, de facto, organizar, mensurar e classificar são de uma ordem distinta à vontade de contemplar. Mas, citando também Edward Hall (The Dance of Life: The Other Dimension of Time, 1983), “(...)a percepção estabelece os diferentes tipos de tempo” - aquele que retém e analisa e aquele que flui e contempla. E talvez assim consigamos entender esse lugar, ou estado, onde num mesmo objecto, o certo e o incerto coabitam. Como, de forma subtil, delicada e inteligente, nos apontam as obras de Dalila Gonçalves.
Dalila Gonçalves desenvolve uma pesquisa em torno da expressão que o tempo adquire. Uma pesquisa sobre os momentos que se encontram e mensuram no decorrer de uma acção, mas também uma pesquisa sobre o período em que se cria um hiato, uma ausência ou um instante de pausa.
O seu olhar remete-nos igualmente para a ideia de natureza. Não apenas a natureza enquanto lugar (real ou fictício) mas também a natureza enquanto origem, raiz ou princípio. Ou seja, aquilo que se entende como início e modelo original de qualquer corpo ou substância.
No seu fazer há uma justa relação entre o tempo e a matéria que, mediada pela percepção, se reporta à leitura das imagens e à condição dos objectos.
Dir-se-ia que esse diálogo, entre tempo e matéria, é reconhecível na ideia de acumulação. Acumulação inerente à passagem repetida ou à transformação das coisas, associada ao uso e ao consequente desgaste do material, mas também inerente ao acto de compilar, mensurar, arquivar e indexar, fixando um instante onde se reorganiza o sentido do objecto.
A obra Pontos de fuga / Vanishing points (2016), que atesta essa leitura, apresenta uma série de moedas alteradas pelo seu manuseamento constante. A sua expressão advém da representação sumida, ou da substituição da imagem por algo em transformação. Assim, o busto, a estátua ou o monumento que nelas figura, esmorece e dá lugar a uma ideia de processo. Mas a sua leitura resulta também do coligir das partes num novo todo. E as moedas que antes se associavam a um valor financeiro, dispõem-se agora, num tempo retido, com um outro sentido. Um sentido poético que se apoia na direção do nosso olhar e do olhar das imagens que nelas ainda perduram.
No trabalho de Dalila Gonçalves acusa-se uma passagem e cria-se uma suspensão, e entre o que se determina e o que é indeterminado, turva-se a certeza do nosso olhar. Mas, na verdade, a visão que lhe preside é clara e abrangente, pois é simultaneamente analítica (aquela que o nomeia e reconhece) e contemplativa (aquela que se encanta na sua expressão). Há, então, algo que existe entre a fixação pragmática da natureza dos elementos (onde, mesmo que reordenados, um lápis é um lápis, uma serra é uma serra ou uma moeda é uma moeda) e a manifestação encantatória da sua imagem (onde, pela agregação, somos sempre remetidos para lá da evidência). E é nessa condição, nesse delicado equilíbrio entre o reter e o largar que o tempo, activado pela nossa percepção, questiona a natureza da matéria.
A subtileza deste registo prende-se com o facto de isso não surgir de forma imposta ou forçada, sendo algo que advém da sua normal utilização ou do entendimento da sua própria natureza. Assim a intervenção não é algo que acontece sobre o material, obrigando-o a uma outra realidade, mas algo intrínseco, que acontece nomeando-o pelo uso e reorganizando-o pela repetição. Isto é, uma lógica onde a natureza do objecto permanece a mesma, mas a expressão que ele adquire é, a partir dele próprio, mudada pelo tempo que o modela, inscreve ou tinge, e pelo olhar que o seleciona, destaca e reinventa.
Curiosamente, o mesmo se passa quando o objecto se abstém de um corpo físico. Neste caso, o tempo não se afirma no desenho e na forma de um registo material, mas antes no reconhecimento de um hábito ou de uma operação que se associa ao objecto. É, assim, pelo movimento ou pela memória do uso que o tempo se assume e a presença se designa.
Em obras como Borda/Edge (2014), que se constrói de ausências, sombras e movimento, é esta a questão que permanece. Aqui, é a sombra do braço de um globo terrestre que se desloca no espaço. E não existindo o corpo desse globo, é o utensílio ou o suporte que o sustenta que, ao rodar, invoca o seu uso e alude à sua presença (o girar do globo). No entanto, mais uma vez, é aquilo que gradua, mede e organiza que, eleito pela autora, preside à reconfiguração do objecto. E a sua imagem é, novamente, aquilo que se desloca ou está em transição.
Citando livremente Ernst Junger (Das Sanduhrbuch, 1954), “(...)o relógio não pertence ao bosque” e, de facto, organizar, mensurar e classificar são de uma ordem distinta à vontade de contemplar. Mas, citando também Edward Hall (The Dance of Life: The Other Dimension of Time, 1983), “(...)a percepção estabelece os diferentes tipos de tempo” - aquele que retém e analisa e aquele que flui e contempla. E talvez assim consigamos entender esse lugar, ou estado, onde num mesmo objecto, o certo e o incerto coabitam. Como, de forma subtil, delicada e inteligente, nos apontam as obras de Dalila Gonçalves.