“Processos circulares” é uma exposição que nos pede tempo e, concordante com o que nos pede, fala-nos de tempo. A exposição de Dalila Gonçalves refere-se à relação do tempo em termos formais, enquanto meio ou ferramenta de representação, e conceptuais, enquanto metáfora nas práticas artística, social e cultural contemporâneas. O tempo cumpre então, no trabalho de Dalila Gonçalves, o papel de uma voz que se vai adaptando em função das condições específicas de cada projecto. Para isso, usa o desenho, a escultura, a fotografia e a instalação em que desenvolve um percurso sobre as questões formais e conceptuais do tempo, a sua importância tanto no contexto das metodologias de produção e reflexão artísticas como no contexto das vivências sociais humanas e da natureza.
Historicamente, o tempo sempre foi observado como um conceito adquirido empiricamente, mas difícil de definir teoricamente. As instalações e objectos de Dalila Gonçalves podem ser vistos como exemplos do que Aristóteles entendia da noção do tempo como algo intrínseco ao Universo. No seu livro "Física'' (1837), Aristóteles afirma que "existe um círculo em todos os objetos que tem um movimento natural. Isto deve-se ao facto de os objectos serem discriminados pelo tempo, o início e o fim estando em conformidade com um círculo; porque até mesmo o tempo deve ser pensado como circular".
Dalila Gonçalves entendeu e interpretou esta definição de tempo em duas condições principais: a condição de ferramenta e a condição de metáfora. Enquanto ferramenta, o tempo existe na prática da construção material de todos os objectos artísticos que pressupõem, em si, os tempos de produção, de observação, de existência real com um fim inevitável pelas características efémeras dos materiais, e de eventual existência perene na memória, pela documentação ou por uma passagem para memória colectiva. Enquanto metáfora, o tempo existe na reflexão teórica da materialização ou desmaterialização de uma acção artística que remete para acções humanas e naturais características da sociedade contemporânea.
O tempo é, em si mesmo, uma poderosa construção metafórica, na sua génese alheio à ideia de forma, na medida em que se afirma como alegoria de como entendemos o mundo. É dessa configuração do tempo como compreensão do mundo que nasce o trabalho de Dalila Gonçalves. O seu método é o de compreender a mecânica operativa do tempo e promover uma intervenção artística que interpreta comportamentos naturais e humanos que definem uma linguagem a partir destas metodologias que possuem nomes: acumulação, reprodução, degradação e memória.
No “Arquivador de sombras” (2013), a acumulação de fotografias furadas ao centro por um suporte de metal, fá-las rodopiar num tempo cíclico em que o fim e o início se tocam constantemente. Numa zona da sala com pouca luz, as sombras e o real confundem-se tanto quanto as ideias de inicio e de fim, num processo quase hipnotizador que nos leva a parar.
O acto de parar por observação está também presente em “Conservação” (Agosto 2010 – Março 2011). Aqui, a artista desafia o imediatismo da sociedade contemporânea e regista, paulatina e lentamente, o processo de envelhecimento de cachos de uvas fechados dentro de frascos de vidro de Agosto de 2010 até Março de 2011. Aqui, trata-se de uma observação de envelhecimento, num paradoxo. As uvas são um alimento metafórico de transformação e consequente produção de algo diferente num processo irreversível: as suas características permitem que a sua fermentação produza vinho e que este, por sua vez, possa envelhecer e transformar-se em várias fases que adquirem valor em cada momento do envelhecimento. Aqui, paradoxalmente, as uvas são guardadas em frascos com materiais tradicionalmente usados para conservar as características inerentes e impedir quaisquer transformações ou reproduções. Guardados em frascos com açúcar, sal, tabaco, areia, sol e gelo, os cachos de uvas materializam as relações dicotómicas conservação / envelhecimento / reprodução numa metáfora para a relação do homem com o tempo, a natureza e com os possíveis efeitos dessa relação.
Os efeitos da relação do homem com o tempo e a natureza estão também representados no “Calendário” (2011-2012) em que o artificial se sobrepõe ao natural. Num registo fotográfico do processo de secagem de uma forma ovalada de cimento que, a um primeiro olhar, parece albergar uma porção de terra com relva, percebemos que a passagem do cimento a estado sólido implica a degradação e, finalmente, a morte da matéria natural que parecia albergar.
A impossibilidade de vencer o tempo está presente magistralmente em “Deliminar” (2012-2013), um conjunto de lápis coloridos usados e recolhidos em escolas e particulares. Dispostos numa linha horizontal, quase uma linha de tempo, de horizonte distante, alinham-se lápis coloridos de tamanhos diferentes, correspondentes aos tempos de uso (ou de degradação) a que foram sujeitos, mostrando o tempo que já passou por eles e, ali, naquele contexto expositivo, de observação sem uso, a impossibilidade de os eternizar, dada a sua matéria perecível.
A memória será, possivelmente, o único modo de transformar o efémero em perene ou eterno. Os “Arquivos de Erva” (2011) e os “Teatros de Erva” (2008) congelam o momento em que a artista convidou pessoas a testemunhar o processo de crescimento de relva. As fotografias integram uma descontextualização do absurdo da matéria já que são mero registo de um evento que está no passado. Aqui, o tempo lento da natureza opõe-se à rapidez da sociedade contemporânea, das pessoas que naquele lugar e momento, contrariaram o seu ritmo rápido para observar.
O processo de contrariar o tempo de Dalila Gonçalves é comparável à analogia de Didi-Huberman em “Antes do Tempo” (2000) que fala do relojoeiro que desmonta o relógio para ver como ele funciona. No momento em o faz, este deixa de funcionar. Esta paragem, síncope na continuidade da história, é a dialéctica em suspensão, que abre a possibilidade ao relógio para funcionar de outro modo, acertando-o pelo compasso de uma outra temporalidade. Este tempo suspenso aparece continuamente ao longo de “Processos Circulares” de Dalila Gonçalves. Num dos trabalhos mais recentes, o “Círculo de livros vs madeira” (2014), uma estrutura circular de 64 cm, proporciona duas leituras: ora é um conjunto de livros, ora é um tronco de madeira cortado, articulando a antinomia entre artificialidade e natureza, desconstrução e construção num movimento circular e dialético que constitui o centro do seu trabalho. Desconstruir, efectivamente, para que possa voltar-se à construção da história.
“Processos circulares” é uma exposição que nos pede tempo e, concordante com o que nos pede, fala-nos de tempo. A exposição de Dalila Gonçalves refere-se à relação do tempo em termos formais, enquanto meio ou ferramenta de representação, e conceptuais, enquanto metáfora nas práticas artística, social e cultural contemporâneas. O tempo cumpre então, no trabalho de Dalila Gonçalves, o papel de uma voz que se vai adaptando em função das condições específicas de cada projecto. Para isso, usa o desenho, a escultura, a fotografia e a instalação em que desenvolve um percurso sobre as questões formais e conceptuais do tempo, a sua importância tanto no contexto das metodologias de produção e reflexão artísticas como no contexto das vivências sociais humanas e da natureza.
Historicamente, o tempo sempre foi observado como um conceito adquirido empiricamente, mas difícil de definir teoricamente. As instalações e objectos de Dalila Gonçalves podem ser vistos como exemplos do que Aristóteles entendia da noção do tempo como algo intrínseco ao Universo. No seu livro "Física'' (1837), Aristóteles afirma que "existe um círculo em todos os objetos que tem um movimento natural. Isto deve-se ao facto de os objectos serem discriminados pelo tempo, o início e o fim estando em conformidade com um círculo; porque até mesmo o tempo deve ser pensado como circular".
Dalila Gonçalves entendeu e interpretou esta definição de tempo em duas condições principais: a condição de ferramenta e a condição de metáfora. Enquanto ferramenta, o tempo existe na prática da construção material de todos os objectos artísticos que pressupõem, em si, os tempos de produção, de observação, de existência real com um fim inevitável pelas características efémeras dos materiais, e de eventual existência perene na memória, pela documentação ou por uma passagem para memória colectiva. Enquanto metáfora, o tempo existe na reflexão teórica da materialização ou desmaterialização de uma acção artística que remete para acções humanas e naturais características da sociedade contemporânea.
O tempo é, em si mesmo, uma poderosa construção metafórica, na sua génese alheio à ideia de forma, na medida em que se afirma como alegoria de como entendemos o mundo. É dessa configuração do tempo como compreensão do mundo que nasce o trabalho de Dalila Gonçalves. O seu método é o de compreender a mecânica operativa do tempo e promover uma intervenção artística que interpreta comportamentos naturais e humanos que definem uma linguagem a partir destas metodologias que possuem nomes: acumulação, reprodução, degradação e memória.
No “Arquivador de sombras” (2013), a acumulação de fotografias furadas ao centro por um suporte de metal, fá-las rodopiar num tempo cíclico em que o fim e o início se tocam constantemente. Numa zona da sala com pouca luz, as sombras e o real confundem-se tanto quanto as ideias de inicio e de fim, num processo quase hipnotizador que nos leva a parar.
O acto de parar por observação está também presente em “Conservação” (Agosto 2010 – Março 2011). Aqui, a artista desafia o imediatismo da sociedade contemporânea e regista, paulatina e lentamente, o processo de envelhecimento de cachos de uvas fechados dentro de frascos de vidro de Agosto de 2010 até Março de 2011. Aqui, trata-se de uma observação de envelhecimento, num paradoxo. As uvas são um alimento metafórico de transformação e consequente produção de algo diferente num processo irreversível: as suas características permitem que a sua fermentação produza vinho e que este, por sua vez, possa envelhecer e transformar-se em várias fases que adquirem valor em cada momento do envelhecimento. Aqui, paradoxalmente, as uvas são guardadas em frascos com materiais tradicionalmente usados para conservar as características inerentes e impedir quaisquer transformações ou reproduções. Guardados em frascos com açúcar, sal, tabaco, areia, sol e gelo, os cachos de uvas materializam as relações dicotómicas conservação / envelhecimento / reprodução numa metáfora para a relação do homem com o tempo, a natureza e com os possíveis efeitos dessa relação.
Os efeitos da relação do homem com o tempo e a natureza estão também representados no “Calendário” (2011-2012) em que o artificial se sobrepõe ao natural. Num registo fotográfico do processo de secagem de uma forma ovalada de cimento que, a um primeiro olhar, parece albergar uma porção de terra com relva, percebemos que a passagem do cimento a estado sólido implica a degradação e, finalmente, a morte da matéria natural que parecia albergar.
A impossibilidade de vencer o tempo está presente magistralmente em “Deliminar” (2012-2013), um conjunto de lápis coloridos usados e recolhidos em escolas e particulares. Dispostos numa linha horizontal, quase uma linha de tempo, de horizonte distante, alinham-se lápis coloridos de tamanhos diferentes, correspondentes aos tempos de uso (ou de degradação) a que foram sujeitos, mostrando o tempo que já passou por eles e, ali, naquele contexto expositivo, de observação sem uso, a impossibilidade de os eternizar, dada a sua matéria perecível.
A memória será, possivelmente, o único modo de transformar o efémero em perene ou eterno. Os “Arquivos de Erva” (2011) e os “Teatros de Erva” (2008) congelam o momento em que a artista convidou pessoas a testemunhar o processo de crescimento de relva. As fotografias integram uma descontextualização do absurdo da matéria já que são mero registo de um evento que está no passado. Aqui, o tempo lento da natureza opõe-se à rapidez da sociedade contemporânea, das pessoas que naquele lugar e momento, contrariaram o seu ritmo rápido para observar.
O processo de contrariar o tempo de Dalila Gonçalves é comparável à analogia de Didi-Huberman em “Antes do Tempo” (2000) que fala do relojoeiro que desmonta o relógio para ver como ele funciona. No momento em o faz, este deixa de funcionar. Esta paragem, síncope na continuidade da história, é a dialéctica em suspensão, que abre a possibilidade ao relógio para funcionar de outro modo, acertando-o pelo compasso de uma outra temporalidade. Este tempo suspenso aparece continuamente ao longo de “Processos Circulares” de Dalila Gonçalves. Num dos trabalhos mais recentes, o “Círculo de livros vs madeira” (2014), uma estrutura circular de 64 cm, proporciona duas leituras: ora é um conjunto de livros, ora é um tronco de madeira cortado, articulando a antinomia entre artificialidade e natureza, desconstrução e construção num movimento circular e dialético que constitui o centro do seu trabalho. Desconstruir, efectivamente, para que possa voltar-se à construção da história.