Ӝ
Ervas negras verdosas açafroadas nascidas das ruínas de uma estátua em Pompéia.
Olhe o relógio. Os instantes soam secos e nulos.
Há quanto tempo foi tudo isso? — se perguntou.
Os relógios marcavam o período consumido, que desatava seus laços, tamborilando os movimentos dos ponteiros. Permaneceu longo tempo sobre o gramado seco que ornava o recinto.
Ergueu o olhar para contemplar o tempo passado na superfície daquele material. As plantas cresciam ainda, tomando conta do que havia permanecido à luz, ajudando o processo de desfiguração; contudo, ele não poderia chegar ao âmago daquela imagem histórica; mesmo que a pintura houvesse desabado já fazia muito tempo e a pedra parecia se esfarelar. Olhou, entrando, com paciência inquisidora, entre as vicissitudes escuras daquela pedra, onde não ia fazia tanto tempo: através das veredas do tempo enraizado. Quanto mais permanecia, mais se sentia abandonada e impotente às ações dele. Em um ruído avesso ao som, aos pómulos desbotados de seus olhos, ela disse que ele poderia olhar o tempo que desejasse. E, assim ficaram: contemplando-se. Olhavam-se como se se conhecessem; de maneira que soubessem que há muito tempo não eram mais os mesmos.
Quando me aceitarás em tua vida? — soou vegetalmente. Um vegetal fornido de pulso.
Por vezes, sentia que a coberta de grama, crepitante sob seus pés, a conectava com aquela pedra. Sentia o calor de sua superfície nua, os acidentes de seu passado, as vibrações que o abraçavam. E, de súbito, enredaram-se, como espessos ramos negros, precipitando ora para um lado, ora para outro, os olhares nunca desviados, à penumbra da angústia de uma decisão. Seu ofício não era simples. Precisava de paciência e contemplação, mas, do mesmo modo que o incansável pistão do motor, tal qual infatigável abelha carregada de pólen, o tempo transbordava por todas as partes. Quando confrontada com aquele fato acenava à si mesma em sinal de derrota, procurando-a, encontrándo-a e perdendo-a repetidas vezes.
Em torno deles, no entanto, na desorientação de seus sentidos, ou, talvez, em sua super sensibilidade, não encontrava nada além do sabor pesaroso esfarelado das cinzas amargas; se imbuído de um corpo: amarelecido, rachado, enrugado, sem viço e cheio de manchas por todas as partes. Essa foi sua ruína: ter ido contra seu tempo, retrocedendo.
Há quanto tempo foi tudo isso? — perguntou
Durante todo o tempo não o havíamos visto nem havíamos escutado sua voz; entrementes, o tempo havia sido consumido.
A inquietude se apoderou dela, enquanto a terra revolvia, como se o tempo tivesse estado corrompido, de maneira que todo seu passado houvesse sido oferecido a um futuro árido. Tanto os tempos antigos como os nossos encontram o seu momento sob o céu.
Quanto tempo você vai poder oferecer resistência? — é o que perguntou a si mesma.
Depende de um fator que está fora do nosso controle — murmurou.
Sem suspeitar que os sinais estavam ali inscritos, costumeiramente descritos nos mostradores dos relógios, se despertou de sua contemplação por meio da trivial presença da passagem do tempo. Após haver registrado em fotografia aquela ruína, afastou-se.
Ela não disse nada após o evento, tampouco durante os dias que seguiram àquele encontro. Na verdade, o tempo que decorreu após o incidente permaneceu em seu pensamento, como uma ação ou uma falta de ação, sem contradizerem-se a si mesmos.
Ӝ
Quando já havia recuperado o controle sobre si mesma, alguns anos depois, sentada à mesa, para um café matutino, um ponto amareliço e esverdeado, iluminado pela luz enviesada, cadenciado pelo odor de mirra e mouro, fez seu olhar deixar de deslizar-se em busca de algo diferente naquela manhã. Redondo, como um ponto final, circularidade necessária e cotidiana, temida por ela, conectou-se àquela estátua pompeiana: à altura de seus olhos elevou intranquilamente aquele arruinado limão.
Ӝ
Ervas negras verdosas açafroadas nascidas das ruínas de uma estátua em Pompéia.
Olhe o relógio. Os instantes soam secos e nulos.
Há quanto tempo foi tudo isso? — se perguntou.
Os relógios marcavam o período consumido, que desatava seus laços, tamborilando os movimentos dos ponteiros. Permaneceu longo tempo sobre o gramado seco que ornava o recinto.
Ergueu o olhar para contemplar o tempo passado na superfície daquele material. As plantas cresciam ainda, tomando conta do que havia permanecido à luz, ajudando o processo de desfiguração; contudo, ele não poderia chegar ao âmago daquela imagem histórica; mesmo que a pintura houvesse desabado já fazia muito tempo e a pedra parecia se esfarelar. Olhou, entrando, com paciência inquisidora, entre as vicissitudes escuras daquela pedra, onde não ia fazia tanto tempo: através das veredas do tempo enraizado. Quanto mais permanecia, mais se sentia abandonada e impotente às ações dele. Em um ruído avesso ao som, aos pómulos desbotados de seus olhos, ela disse que ele poderia olhar o tempo que desejasse. E, assim ficaram: contemplando-se. Olhavam-se como se se conhecessem; de maneira que soubessem que há muito tempo não eram mais os mesmos.
Quando me aceitarás em tua vida? — soou vegetalmente. Um vegetal fornido de pulso.
Por vezes, sentia que a coberta de grama, crepitante sob seus pés, a conectava com aquela pedra. Sentia o calor de sua superfície nua, os acidentes de seu passado, as vibrações que o abraçavam. E, de súbito, enredaram-se, como espessos ramos negros, precipitando ora para um lado, ora para outro, os olhares nunca desviados, à penumbra da angústia de uma decisão. Seu ofício não era simples. Precisava de paciência e contemplação, mas, do mesmo modo que o incansável pistão do motor, tal qual infatigável abelha carregada de pólen, o tempo transbordava por todas as partes. Quando confrontada com aquele fato acenava à si mesma em sinal de derrota, procurando-a, encontrándo-a e perdendo-a repetidas vezes.
Em torno deles, no entanto, na desorientação de seus sentidos, ou, talvez, em sua super sensibilidade, não encontrava nada além do sabor pesaroso esfarelado das cinzas amargas; se imbuído de um corpo: amarelecido, rachado, enrugado, sem viço e cheio de manchas por todas as partes. Essa foi sua ruína: ter ido contra seu tempo, retrocedendo.
Há quanto tempo foi tudo isso? — perguntou
Durante todo o tempo não o havíamos visto nem havíamos escutado sua voz; entrementes, o tempo havia sido consumido.
A inquietude se apoderou dela, enquanto a terra revolvia, como se o tempo tivesse estado corrompido, de maneira que todo seu passado houvesse sido oferecido a um futuro árido. Tanto os tempos antigos como os nossos encontram o seu momento sob o céu.
Quanto tempo você vai poder oferecer resistência? — é o que perguntou a si mesma.
Depende de um fator que está fora do nosso controle — murmurou.
Sem suspeitar que os sinais estavam ali inscritos, costumeiramente descritos nos mostradores dos relógios, se despertou de sua contemplação por meio da trivial presença da passagem do tempo. Após haver registrado em fotografia aquela ruína, afastou-se.
Ela não disse nada após o evento, tampouco durante os dias que seguiram àquele encontro. Na verdade, o tempo que decorreu após o incidente permaneceu em seu pensamento, como uma ação ou uma falta de ação, sem contradizerem-se a si mesmos.
Ӝ
Quando já havia recuperado o controle sobre si mesma, alguns anos depois, sentada à mesa, para um café matutino, um ponto amareliço e esverdeado, iluminado pela luz enviesada, cadenciado pelo odor de mirra e mouro, fez seu olhar deixar de deslizar-se em busca de algo diferente naquela manhã. Redondo, como um ponto final, circularidade necessária e cotidiana, temida por ela, conectou-se àquela estátua pompeiana: à altura de seus olhos elevou intranquilamente aquele arruinado limão.